Diante do alarmante resultado obtido no primeiro turno das eleições para presidência da república deste ano, nós, alunas e alunos do grupo ENIGMA, sentimos a necessidade de tornar público o nosso posicionamento. Entendemos que, embora as eleições fujam do escopo ordinário de nossas discussões, a falta de posicionamento implicaria em omissão diante de um fenômeno contrário a tudo aquilo em que acreditamos.

O candidato do PSL, Jair Bolsonaro, representa, em nossa visão, a maior ameaça à democracia e aos direitos humanos das últimas décadas. Afirmou que “através do voto não se muda nada”, “fecharia o congresso nacional” se fosse eleito e se declarou “favorável à tortura” em entrevista1. Durante a sessão para o impeachment da ex-presidente Dilma, dedicou seu voto à memória do Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra2, o mais temido torturador do governo militar3. Repleto de afirmações homofóbicas, racistas e misóginas desde que ganhou força na mídia, pauta seu discurso quase sempre em cima do ódio e do preconceito, nunca em propostas de governo. É assumidamente admirador do governo militar, especialmente de períodos em que o país foi governado por generais historicamente apelidados de “linha-dura”, em que a censura prevaleceu e os direitos humanos foram quase que completamente desprezados. No plano de governo4, na seção sobre Defesa Nacional, é possível ler que “heróis impediram a tomada do poder por forças de esquerda que planejavam um golpe comunista no Brasil em 1964”.

Por essas razões, nos sentimos na obrigação moral de repudiar a candidatura da chapa de Jair Bolsonaro e seu vice, General Hamilton Mourão.

Entretanto, além de mostrar o nosso posicionamento, gostaríamos também de fazer com você, leitor que chegou até aqui, uma pequena reflexão, independentemente de seu candidato.

fakenews

Somos bombardeados por informações das mais diversas fontes, diariamente. Raramente temos tempo – ou força de vontade suficiente – para ler um texto até o fim, verificar suas fontes e refletir minimamente sobre aquilo que foi consumido. Se você chegou até aqui, certamente faz parte de uma pequena minoria que não se satisfez apenas com o título. E faz parte de uma minoria menor ainda que resistiu aos primeiros parágrafos. Além disso, somos um país, objetivamente, mal informado. Uma pesquisa5 levantada pelo Datafolha revelou que somente 18% dos brasileiros sequer ouviram falar sobre o AI-5 e somente 6% conhece de fato o Ato, decretado em dezembro de 1968 e que resultou no fechamento do Congresso Nacional, censura prévia da arte e da imprensa, assassinando quase por completo a democracia brasileira.

Com a desinformação da população aliada à dificuldade de encontrar conteúdo de qualidade, é muito fácil que pessoas mal intencionadas criem e divulguem notícias falsas, as famosas #fakenews. Ou, mesmo que não sejam completamente falsas, meias verdades ou fatos distorcidos e selecionados. Um grande exemplo é o “kit gay”, invenção do próprio Bolsonaro6. A crença no “kit gay” por grande parte do eleitorado brasileiro é uma ilustração pedagógica de como é tão rara a busca pela verdade. Bastariam poucos minutos de pesquisa para ver como são falaciosas as afirmações do candidato do PSL sobre o projeto. A propagação destas informações falaciosas causa uma enorme preocupação de que nossa democracia já pode ter sido comprometida.

Essa preocupação é resultante do escândalo que envolve a empresa Cambridge Analytica e o vazamento dos dados de 87 milhões de usuários do Facebook para essa empresa. Diversos jornalistas estão reportando7 8 a empresa como uma ameaça global à democracia, que está sendo acusada de usar esses dados para manipular as eleições em diversos países. Steve Bannon já foi vice-presidente da Cambridge Analytica e esteve à frente do site de extrema-direita Breitbart News9, conhecido por publicar notícias falsas, intencionalmente enganosas, e produzir material10 com conteúdo misógino, xenófobo e racista. Nos Estados Unidos, durante as eleições presidenciais de 2016, Steven Bannon foi chefe de campanha de Donald Trump11, político também conhecido por declarações do mesmo tipo. Em agosto deste ano (2018), Eduardo Bolsonaro realizou um encontro com Bannon em Nova York e anunciou que eles formariam uma parceria para fortalecer a campanha eleitoral do seu pai, o candidato à presidência Jair Bolsonaro12. Em 2017, a empresa abriu sua filial no brasil, CA Ponte13. O Ministério Público já abriu um inquérito para apurar a conduta da empresa nas eleições brasileiras14.

O caso de Bannon, as notícias falsas e todas as declarações do candidato até o momento só ilustram o quanto ele não se preocupa nem um pouco com a democracia e com a manutenção dela. Cabe a nós, cidadãos brasileiros, protegê-la. Defendê-la não só pelo povo, mas também pelas pessoas que deram suas vidas para que no domingo você possa ir até as urnas votar.

Mas, voltando à reflexão, o que podemos fazer?

Este momento de polarização política em que vivemos torna, para ambos os lados, difícil de dialogar. É preciso fazer um esforço enorme para tratar do assunto com alguém que pensa de maneira oposta a você. Mas isso é justamente o que é necessário!

Tão próximo das eleições só será possível a virada através do conhecimento. Da iluminação. Não acreditamos que as 49 milhões de pessoas que votaram sejam misóginas, homofóbicas, racistas e anti-democráticas. Cremos que essas pessoas são, em sua grande maioria, meramente desinformadas. E a construção do conhecimento, neste caso, só pode ser gerada através de discussões saudáveis e amistosas, com a propagação da verdade.

Somente através do conhecimento é que argumentos podem ser construídos e discutidos. A democracia depende disso. Não sabemos como será o futuro, e também não blindamos de críticas os candidatos do PT. Contudo, temos uma certeza: manteremos um olhar crítico para qualquer governo que venha pela frente, principalmente no que se tratar sobre as nossas comunicações na rede. Como é do escopo desta entidade, tentaremos estar sempre um passo a frente contra a vigilância e censura na internet.

Pela manutenção da nossa democracia e dos direitos humanos, #elenão.

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Referências


  1. Vídeo de Bolsonaro afirmando ser favorável à tortura. ↩︎

  2. Vídeo de Bolsonaro dedicando seu voto, na sessão do impeachment de Dilma, ao Coronel Ustra. ↩︎

  3. Matéria sobre Coronel Ustra e a tortura na ditadura. ↩︎

  4. Sai do Muro, página com as propostas de governo de ambos os candidatos. ↩︎

  5. Pesquisa do Datafolha sobre o AI-5. ↩︎

  6. De fato existia um projeto chamado “Escola sem Homofobia” que, além de nunca ter chegado às escolas, em nada se assemelha ao livro que o candidato do PSL carrega em seu bolso para as entrevistas. ↩︎

  7. Em março deste ano, diversos jornais divulgaram um relatório detalhado de sobre o vazamento de dados de 87 milhões de usuários do Facebook para a Cambridge Analytica. Com esses dados, a empresa poderia traçar perfis psicológicos detalhados de cada usuário, podendo por exemplo identificar aqueles que apresentavam um sentimento de contrariedade ao cenário político atual. Identificando esses grupos de pessoas, é possível criar mensagens com propaganda personalizada, tornando os indivíduos que recebem essas mensagens suscetíveis à manipulação política e ideológica. Dessa forma, a empresa teria manipulado eleições nos Estados Unidos e no Reino Unido. Pouco tempo depois, outro jornal reportou que a empresa atuou em eleições de diversos países ao redor do mundo, como Índia, Quênia, Malta, Sri Lanka, México, dentre outros. Relatório publicado pela NY Times sobre o caso, Repercussão da notícia, Mapa global de atuação da Cambridge Analytica ↩︎

  8. Opiniões sobre os escândalos da Cambridge Analytica: A Empresa que Manipula a Democracia a Escala Global, Big Data: Toda democracia será manipulada?, Cambridge Analytica: subverting democracy, one Facebook profile at a time ↩︎

  9. Notícia sobre o cargo de Bannon na Breitbart News. ↩︎

  10. Texto tratando sobre as notícias publicadas pelo Breitbart News e a notícia de uma pessoa que foi diretamente prejudicada pelo jornal. ↩︎

  11. Texto sobre a aliança entre Trump e Bannon. ↩︎

  12. Tweet de Eduardo Bolsonaro divulgando seu encontro com Bannon. ↩︎

  13. Texto sobre a filial da Cambridge Analytica no Brasil. ↩︎

  14. Notícia sobre o inquérito do Ministério Público contra a CA Ponte. ↩︎